O nosso atual sistema de ensino ainda se baseia nos princípios de conformidade e concordância. A maioria das pessoas ainda crê que inteligência humana é sinónimo de bons resultados académicos. E esta é uma conceção muito limitada de inteligência e de competência. Elon Musk recentemente afirmou numa das suas publicações nas redes sociais:

“Odeio quando as pessoas confundem formação académica com inteligência. Qualquer um pode ter um diploma de bacharel e ainda assim ser um idiota.” Não posso estar mais de acordo.

O problema que se põe é que se tomarmos como ponto de partida uma conceção limitada de competência, gerar-se-á automaticamente uma ampla   conceção de incompetência. Faz sentido, certo?! Isto também significa que haverá um grande número de pessoas que pura e simplesmente não encaixam neste perfil exclusivamente académico e que necessitam, segundo estes padrões limitados, de ajuda “corretiva”.

Mas o nosso mundo mudou desde então. Conformidade e concordância são relíquias do passado. O mundo em que vivemos é muito mais acelerado e complexo do que era. Para enfrentar estes novos desafios, não precisamos de conformidade e concordância. Todavia o sistema educativo continua colado a metodologias desatualizadas.

Em Portugal, a taxa de abandono escolar precoce no início dos anos 90 era de cerca de 50%. Desde então, caiu para cerca de 10,6%, uma melhoria acentuada, mas ainda acima da média na Europa. Pouco mais de um terço dos jovens entre os 20 e os 25 anos estão na universidade. Isso significa que dois terços não estão. Estes são dados estatísticos preocupantes.

A taxa de abandono escolar precoce é apenas a ponta do iceberg do problema. Todas aquelas crianças desinteressadas, desmotivadas e que, com certeza, não gostam da escola não contam para este número. Por que será que hoje em dia 10% das crianças e adolescentes (principalmente rapazes) são diagnosticados com transtorno perturbação de hiperatividade e défice de atenção (PHDA)?

Não nego a existência desta patologia em alguns alunos; mas pergunto-me se isto se tornou uma epidemia ou se será uma consequência de qualquer outra coisa?

Os seres humanos são naturalmente diferentes e diversos (qualquer pai ou mãe com mais de um filho poderá atestar isto prontamente), curiosos e criativos. São estas nossas características que nos fizeram florescer como espécie. O sistema educativo atual não estimula nenhuma dessas opções. O ensino não deve ser apenas um mero sistema de transmissão de conhecimento entre as diferentes gerações através dos tempos. Os melhores professores, e há óptimos professores apesar do atual sistema de ensino, não se limitam a transmitir informação, mas orientam, estimulam, provocam e envolvem os alunos na busca do conhecimento.

Um estudo da UNESCO concluiu que um ano de escolaridade aumenta o rendimento de um indivíduo em até cerca de 10%. O mesmo estudo acrescenta que cada ano adicional de escolaridade aumenta o PIB médio anual em 0,37%. Mas os benefícios da educação académica excedem em muito a sua contribuição para o rendimento individual, para o crescimento do PIB e para a média de produtividade nacional. Mais anos de escolaridade contribuem para reduzir o crime, a alienação e a desigualdade. Promovem a saúde e um maior bem-estar. Contribuem para uma maior participação cívica. Em suma, um nível de escolaridade mais alto, melhor e mais adaptado aos dias de hoje é a base de uma sociedade mais produtiva e mais justa.

É imperativo que países como Portugal, de baixa densidade populacional e sem recursos naturais, se tornem sociedades de conhecimento. Este é o objetivo principal da Fundação José Neves, uma iniciativa filantrópica recente, liderada e financiada exclusivamente pelo fundador da Farfetch, uma empresa retalhista online de moda de luxo. José Neves anunciou publicamente que vai doar três quartos dos seus ativos a esta Fundação – algo até agora inédito em Portugal.

O ensino é para preparar as gerações futuras. Ninguém sabe como será o mercado de trabalho em 2030 e muito menos em 2050, para as crianças que nascem hoje. Mas há algo que todos sabemos: será com toda a certeza um mercado de trabalho muito diferente do de hoje e muito provavelmente exigirá competências muito diferentes das que estão a ser desenvolvidas e pelo sistema de ensino atual. Já sabemos, por exemplo, que globalmente 34% dos empregadores não conseguem recrutar a pessoa certa – por outras palavras, existe já um “mismatch” (um desencontro) entre as competências dos nossos alunos e as necessidades do mercado de trabalho. Isto irá muito provavelmente aumentar à medida em que a automatização de empregos progredir e em que novos empregos venham a ser criados. Aliás, espera-se que, até 2030, trinta por cento dos empregos estejam em risco de automatização.

Não será altura de nos perguntarmos quais as competências que serão valorizadas no futuro e como reformar o sistema educativo para melhor promovê-las? Existe neste momento já grande procura de competências como: competências de comunicação, competências colaborativas, criatividade na resolução de problemas complexos, pensamento crítico e criativo, capacidade de implementar soluções. O sistema educativo precisa igualmente de investir mais em traços de caráter como determinação, perseverança, autoconhecimento, capacidade de lidar com o fracasso, incerteza, e maior apetência para o risco. Podemos ainda juntar-lhes qualidades como a empatia, o otimismo, a curiosidade e uma necessária e continua aprendizagem ao longo da vida. As competências específicas exigidas pelo mercado de trabalho, bem como a sua complexidade mudarão, muito provavelmente, várias vezes ao longo das futuras carreiras profissionais. O mercado irá exigir que estas sejam constantemente aprimoradas ou requalificadas. Por tudo isto, o sistema de ensino precisa de capacitar os alunos com estas competências transversais de que irão necessitar para se adaptarem a um mundo em rápida mudança.

Como deverá ser a educação no século vinte e um?

É provável que várias tendências globais tendam a moldar o sector nos próximos anos. O currículo educativo tenderá a evoluir para o desenvolvimento de competências e de capacidades, ao invés do simples armazenamento de conhecimento. O sucesso não será medido apenas em notas ou através de testes padronizados (que se tornarão mais diagnósticos e formativos por natureza e não o propósito de toda a educação). Os futuros empregadores procurarão aqueles que evidenciem competências sociais, competências digitais e aptidões cognitivas.

Os programas curriculares terão tendência para virem a ser desenhados à medida das necessidades individuais de forma a contribuírem para uma edificação sobre os pontos fortes dos alunos e é bem provável que venhamos a assistir a uma maior combinação de situações de ensino/aprendizagem em sala de aula com a experiência de trabalho prática. Terá que existir desde o início uma maior cooperação entre escolas e universidades e empresas para uma maior adaptação das competências a desenvolver às necessidades futuras do mercado.

Haverá uma mudança em direção a uma aprendizagem social mais colaborativa e com recurso às redes sociais para apoio e tutoria entre pares. A pirâmide da aprendizagem mostra-nos que os índices médios mais altos de apropriação de conhecimento acontecem quando os alunos se entre-ajudam, explicando uns aos outros o que aprenderam, em grupos de discussão e através de experiência prática. Os alunos tornar-se-ão mais interventivos no seu processo de aprendizagem, em oposição ao tradicional papel passivo de meros recetores de conhecimento. Quer a aprendizagem baseada em projetos, quer a aprendizagem baseada em investigação apelam a um papel mais ativo dos alunos na construção do seu conhecimento.

software educativo baseado na web será desenvolvido conjuntamente com conteúdos já existentes, como acontece com o ensino providenciado pela Khan Academy. Não constitui qualquer surpresa que vejamos, no momento, empresas de Tecnologias de Informação a desempenharem um importante papel no ensino, desenvolvendo escolas do futuro, construindo jogos de computador educativos de última geração e outras ferramentas pedagógicas.

Os empregadores tenderão cada vez mais a valorizar credenciais alternativas, como diplomas e certificados de pequenos cursos específicos de duração mais curta. Hoje em dia, nem todos precisam de ir para as mesmas universidades de elite que tendem a “fabricar” produtos com ideias similares. Somos todos diferentes e as nossas diferenças devem ser celebradas. Mais universidades oferecerão estágios de verão para crianças em idade escolar. Como já foi dito, estudantes do ensino secundário e universidades terão maior controlo sobre seu percurso académico.

A qualidade do professor sempre foi a alavanca mais importante para melhorar os resultados dos alunos. Temos que atribuír um status mais elevado à profissão docente. Vejam só Singapura, onde só os melhores alunos é que podem ser professores. Mas isto não basta. As escolas deverão investir constantemente no desenvolvimento profissional dos seus professores. Sir Ken Robinson, um nome conhecido na esfera da educação e cuja Ted talk “As escolas matam a criatividade?” constitui a Ted talk mais vista até hoje, afirmou que “os grandes professores do mundo também são ótimos alunos”. Aprender é uma conversa; não é um monólogo. Aprendemos coletivamente.

Reformar o sistema educativo não é tarefa fácil, especialmente tendo em conta que a educação pública é desenhada de forma centralizada. STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática), por exemplo, estava na moda há uns anos. No entanto, nem todos os alunos se encaixam neste modelo de ciência, matemática e tecnologia. Um currículo precisa de ser amplo e diversificado, devendo incluir artes, humanidades, línguas e até mesmo educação física. Pessoalmente creio que todos deviam ter uma base de historia e filosofia. Os avanços tecnológicos do futuro acarretam com eles considerações de ética. Não precisaremos apenas de engenheiros informáticos e de programação, mas de peritos em filosofia ética e moral.

A reforma educativa não é uma empreitada simples. Em muitos aspetos, é um dos maiores desafios que enfrentamos hoje. Os Ministérios da Educação há anos que são cativos de interesses instalados – sindicatos, professores, eleitores – esquecendo, por vezes, de que deverão ser os alunos a estar na vanguarda das suas preocupações.

Não tenho duvidas nenhumas que os países determinados e capazes de produzir a força de trabalho futura, com as competências certas, serão os líderes de amanhã. O resto ficará para trás, com empregos mal remunerados e com uma força de trabalho insatisfeita, já sem falar em alunos desmoralizados e stressados, alguns dos quais podendo vir a desenvolver graves problemas de saúde mental.

Portugal tem a vantagem acrescida de ver o que funcionou noutros países.

Não há necessidade de reinventar a roda.

Precisamos apenas de vontade, coragem e resistência para iniciar este caminho.

Teresa Roque.