A liberdade, tal como a conhecemos enquanto sociedade democrática, não está em perigo. Necessita, sim, de estar sob constante vigilância, para que os seus valores não se diluam. Só assim é possível aspirar a uma cidadania activa e consciente de valores como a solidariedade, a igualdade e a justiça. A qualidade do ensino, nas escolas e universidades, e a promoção da literacia são os pilares desses preciosos bens comuns.
Estaremos a atravessar uma crise de valores ou é apenas um passo na evolução acelerada da sociedade, cujas instituições que alicerçam as democracias não conseguem acompanhar? As conclusões do debate Liberdade, cidadania e responsabilidade em tempos de crise de valores, do ciclo Psuperior Talks, não são definitivas, mas ficou assente a necessidade de ter sempre o dedo perto do botão de alarme e estar atento aos sinais. O sistema de ensino tem aqui um papel decisivo, já que é através da educação e da promoção da literacia que as sociedades evoluem no sentido da inclusão, da igualdade e da solidariedade.
Este foi um dos pontos base do debate promovido pelo PÚBLICO, com o patrocínio da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) e o apoio da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). Além do constitucionalista, juntaram-se à mesma mesa virtual Ana Vitória Azevedo, administradora da SCML, Humberto Martins, investigador e professor da UTAD, e Maria Ferreira, presidente da Associação Académica da UTAD. A moderação esteve a cargo de Manuel Carvalho, director do PÚBLICO.
“Temos de assumir que este é um mundo das redes sociais, das tecnologias e não vamos andar para trás”, continuou Ana Azevedo, remetendo para a necessidade de adaptação do sistema de ensino. “O papel dos professores é o de ‘cola’ da informação e dar-lhe sustentabilidade, para que os alunos tenham uma atitude crítica em relação ao que lêem”, disse.
As redes sociais e a liberdade
Para a construção de uma cidadania activa e mais consciente dos problemas é impossível contornar o papel das redes sociais. Como definiu Maria Ferreira, “as redes sociais estão a colocar o problema de serem todos iguais”, de alinharem “em modas”, impedindo assim a discussão de temas “que exijam mais pensamento. Há uma uniformização do pensamento fomentada pelas redes sociais”.
Pode ser esse um sinal de menor liberdade? Humberto Martins prefere falar em “ilusão”, quando o tema é o acesso igual à informação ou à manifestação da opinião de cada um. “Pensar que dominamos o nosso ecossistema é uma falácia” – defende, acrescentando: “Sociologicamente, a liberdade é uma impossibilidade, pois é feita de códigos, de concessões”.
Na opinião de Pedro Bacelar de Vasconcelos, a evolução das sociedades está intimamente ligada aos meios de transmissão de informação, lembrando o “forte papel de mediação” da imprensa dos primórdios, com actores e consumidores de “níveis sociais mais instruídos”. Com a universalização do acesso aos meios de comunicação, os cidadãos ganharam mais consciência da sua “falta de influência, de importância, de irrelevância do que dizem”, transformando as redes sociais num palco para “as opiniões mais desvairadas”.
Numa análise mais aprofundada ao sistema democrático como o concebemos, o constitucionalista defende haver “muita gente que se sente frustrada, porque não consegue realizar as ilusões que lhes foram criadas” por uma cultura capitalista, de sucesso e de oportunidades iguais para todos. Ou, como disse Humberto Martins, “a horizontalização das possibilidades não existe”.
Este professor universitário considera, porém, que a crise de valores aqui posta em questão, especialmente nos mais jovens, é “um mito”, por ser “etnocêntrica e sociocêntrica”. “Os jovens não se tornaram seres acríticos, indiferentes. Não há um abandono da causa pública.”