Na nossa sociedade a responsabilidade está defunta. Todos acham que os problemas sociais podem e devem ser resolvidos pelas escolas.
-Menino bate no pai, a escola resolve com acompanhamento psicológico;
-Meninos batem insistentemente nos colegas, a culpa não é dos pais que moram debaixo do mesmo teto e são um mau exemplo ou nem repararam estar a criar uma pestinha mesmo ali ao lado, fechado no quarto, horas intermináveis atrás de um televisor, de um telemóvel ou de uma consola de jogos violentos, porque a responsabilidade nunca é deles, é do Diretor de Turma que não viu o que estava a acontecer mesmo debaixo do seu nariz, ali ao lado no recreio ou fora dos portões da escola;
-Pais não prestam atenção aos filhos nem os educam, mais Cidadania nas escolas;
-O PIB desce porque o país está cheio de corruptos que enchem os noticiários com processos judiciais que no fim não dão em nada porque, no fim do dia ficam todos em liberdade ou fogem com o saque, mete-se mais educação financeira e a escola resolve;
-Os acidentes nas estradas aumentam e os carros dos ministros ultrapassam largamente os limites de velocidade e matam pessoas, mais educação rodoviária;
-Pai bate na mãe e nos filhos, maridos matam as suas mulheres, mais educação de igualdade de género;
-As florestas ardem devido a interesses dos madeireiros e às lixeiras a céu aberto de um povo incivilizado, mais educação ambiental;
-Não chove, mais pressão sobre Religião e Moral para se fazerem rezas da chuva;
-Jovem viola colega, padre viola criança, homem viola idosa, pastor viola ovelha, mais educação sexual;
-Cai uma ponte, há uma inundação na baixa, um tremor de terra nas ilhas, tráfico de droga no algarve, fuga aos impostos ou há falta de água, não há problema, a escola resolve.
Para todos os males sociais, a escola tem sempre de ter uma resposta.
-Os professores vão onde ninguém quer ir, estão com quem ninguém quer estar, ouvem o que ninguém se deu ao trabalho de escutar e têm de resolver o que ninguém na sociedade conseguiu ou quis solucionar.
-Muitos pais são negligentes na educação dos filhos, os políticos incompetentes na legislação impraticável que criam e a população irresponsável por falta de cumprimento cívico, moral e ético, mas culpam os professores pelos males que criam e não sabem resolver.
-No meio de todo este laxismo e irresponsabilidade coletiva, os miúdos não rendem nas escolas e os resultados são fracos. Então, culpam-se os professores que não sabem ensinar.
-A solução é baixarem o grau de exigência e lá se vai nivelando por baixo ano após ano, os alunos passam todos, as escolas respiram de alívio, o ministério vangloria-se que os resultados escolares são bons, os pais ficam satisfeitos e a população vai ficando mais ignorante e, qualquer dia, para ter um diploma só é preciso preencher os exigentes requisitos de terem conseguido sentar o traseiro numa cadeira e levado uma caneta numa mão e um telemóvel na outra.
Para quê complicar?!
Nos últimos anos tem sido assim e tem dado excelentes resultados!
Os chatos dos professores é que complicam!
-Se os professores não sabem como passar os alunos, então que tirem mais formação e se sujeitem ainda a mais avaliações.
-Que se lhes dê mais mais burocracia para terem como justificar a petulância de, sequer, pensarem em reprovar um aluno e que lhes caia a inspeção em cima caso não tenham preenchido um dos 33 documentos que fariam com que o rebento conseguisse passar de ano. Estes professores são uma praga que exigem demais dos miúdos.
-Passando-os (independentemente do que aprendam), eles ficam contentes e toda a gente fica feliz.
-Porque, quem é dono disto tudo e manda em tudo isto, no fundo do seu enorme coração, só quer uma população educada, bem informada e capaz de ter uma atitude crítica e de pensar pela própria cabeça, nada mais.
-E quanto aos professores, quando se tornam incómodos, faz-se uma legislação apropriada e eles, supostamente letrados e dificilmente manipuláveis, facilmente se viram uns contra os outros e ficam por mais uns tempos entretidos a tentar salvar a própria pele.
O truque é precisamente esse – mantê-los ocupados, distraídos com inutilidades e encherem-nos de preocupações para não importunarem.
-Absorvidos num trabalho cada vez mais reduzido ao inútil preenchimento de papeladas, mais burocracia, constantes mudanças no sistema, mais responsabilidades, mais reuniões inúteis, menos estabilidade, ordenados progressivamente mais baixos (relativamente à subida do custo de vida), mais horas de trabalho, menos benefícios, uma aposentação mais longínqua e uma reforma cada vez mais miserável, acaba por não sobrar tempo para pensarem e olharem em redor para se aperceberem como têm sido prejudicados (ia dizer “lixados”, mas não fica bem a um professor, só aos pais à porta das escolas que partilham com todos, incluindo as crianças, o mais belo do vernáculo da língua de Camões… isto quando não estão a cuspir e a deitar papeis para o chão ou a estacionar em cima dos passeios).
-A informação artificial, que é distribuída gratuitamente por todos em toda a parte como se fosse fast-food, é absorvida avidamente por toda a sociedade dando-lhes a satisfação pelo facilitismo, porque é um descanso haver alguém que pensa por nós.
Assim se mantém toda a gente feliz e sem problemas, pois a escola resolve!
Carlos Santos MAI252022