A política do absurdo:

A ideia de reforço das competências do poder local e territorialização de políticas não é nova.

Foi em 1977 que se consagrou a delegação de competências para os municípios e em 1984 foi estabelecida a transferência de competências na área da educação. Com avanços e recuos, tem sido uma reivindicação dos municípios o seu crescente envolvimento na educação.

Sendo estas matérias sensíveis, pela sua importância no futuro de milhares de crianças e jovens e pelo impacto nos orçamentos municipais, em 2015, o Governo PSD/CDS avançou com um projeto-piloto com 13 municípios, envolvendo 10% da população, 10% dos alunos e 10% das turmas a nível nacional.

Em causa estavam competências na gestão do Ensino Básico e Secundário, incluindo projeto educativo, organização da oferta educativa e disponibilização de oferta educativa de base local.

A heterogeneidade geográfica e política dos municípios envolvidos permitia uma avaliação do processo de descentralização.

Ficou definido em lei que estes contratos teriam mecanismos periódicos de monitorização e acompanhamento da respetiva execução, de forma a garantir a adequação do modelo de descentralização adotado e o cumprimento dos níveis de qualidade dos serviços públicos prestados.

O acompanhamento e as métricas a avaliar não eram apenas financeiras, mas também de resultados qualitativos, como a taxa de abandono ou insucesso.

Caso os resultados se degradassem ao final do período-piloto não haveria continuação.

O modelo financeiro consagrava também um prémio: se os municípios conseguissem ganhos de eficiência e os resultados em educação melhorassem, ficariam com parte dessa poupança para investir na educação no município.

Sem fazer a prevista avaliação deste projeto-piloto, o Governo decidiu, em 2018, avançar para um processo de descentralização em todo o país, o qual foi conhecendo sucessivos adiamentos.

Há diferenças claras entre o projeto-piloto e o processo em curso: o modelo em curso reduziu o âmbito da descentralização, foi imposto e não negociado com cada um dos municípios e não garantiu um bom sistema de incentivos.

As notícias recentes são mais um sinal da forma atabalhoada e precipitada com que se avançou neste processo.

Para a história ficará o absurdo de, em vez de se avaliar a execução de um projeto-piloto, se ter antes avançado para uma descentralização total, cujos resultados estão à vista. *Jurista