“ Não está satisfeita, mãe? Volte para a sua terra.”:

Não está satisfeita com a educação do país? Volte para a sua terra.

” Estas foram as palavras que Márcia (nome fictício) escutou há cerca de três semanas vindas de uma das professoras do filho.

Ao PÚBLICO, relata que as agressões verbais e até físicas para com o filho e outros colegas “estrangeiros” têm sido várias desde o início do presente ano lectivo e notaram-se “logo no primeiro mês”, garante.

Márcia é uma das signatárias de um manifesto por uma educação não violenta que será entregue ao Ministério da Educação na próxima sexta-feira, dia 25.

A mãe, que prefere não ser identificada para que o filho não sofra represálias na escola, viajou do Brasil para Portugal há pouco mais de três anos. Procurava, com o marido e duas crianças menores, fugir da violência do país de origem. Mas, chegados a Portugal, encontraram “outro tipo de violência”, conta.

O quotidiano na sala de aula de N. (inicial também fictícia) de 8 anos, matriculado numa escola em Odivelas, tem sido pautado por “gritos, impaciência e irritabilidade”, conta a mãe. E acrescenta que o filho levou mesmo “dois puxões de cabelo” da professora, em ocasiões distintas. Num desses episódios terá ouvido a docente dizer-lhe que os meninos não usam cabelo comprido, “que ele tem de cortar o cabelo e só as meninas é que podem ter o cabelo comprido”.

O PÚBLICO fez um contacto com a escola em causa, mas não foi possível em tempo útil obter uma resposta.

Perante todas as situações relatadas pelo filho, Márcia procurou respostas junto da direcção da escola. E não foi a única, diz, uma vez que outros quatro pais também enviaram e-mails com queixas sobre a professora.

As respostas nunca chegaram.

Márcia refere ainda que depois de ver uma agressão a uma criança por parte de uma docente, pediu uma reunião com o director. “Perguntou-me se era o meu filho que tinha sido agredido para lhe estar a pedir justificações”, lamenta.

Com a resposta, e falta dela, decidiu procurar outras pessoas que estivessem em situações semelhantes.

Foi então que conheceu o Colectivo Andorinha, que em conjunto com a Diáspora Sem Fronteiras Associação Cultural, Casa do Brasil de Lisboa, Brasileiras Não se Calam, Rede Sem Fronteiras, Plataforma Geni e Associação Lusofonia Cultura e Cidadania subscreveram o manifesto por uma educação sem violência.

“Enquanto cidadãos e residentes neste país, manifestamos repúdio a todo e qualquer acto de violência e reivindicamos acções no sentido de apurar o ocorrido, responsabilizar os envolvidos e contribuir para a superação de episódios como esse”, lê-se no documento, que faz referência ao caso de uma criança com necessidades especiais que foi agredida por uma funcionária, noticiado pelo PÚBLICO na semana passada.

Questionado sobre que reacção deixa a este manifesto, o Ministério da Educação responde que “tem conferido um lugar central à educação para valores de respeito pelos direitos humanos”. “Tal está expresso nos documentos curriculares, sendo o ‘Relacionamento Interpessoal’ uma das dez áreas de competências do Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Este Perfil concretiza-se, entre outras medidas na área curricular de Cidadania e Desenvolvimento, na qual se trabalham dimensões como os Direitos Humanos e várias dimensões de combate a todas as formas de violência. Para trabalho específico nesta área, têm contribuído os instrumentos desenvolvidos no âmbito da iniciativa Escola Sem Bullying/ Escola Sem Violência, entre outros”, lê-se na resposta escrita da tutela enviada ao PÚBLICO.

Apesar disso, Elisângela Rocha, uma das mentoras do manifesto, acredita que os problemas da xenofobia, racismo e bullying nas escolas são “estruturais”.

“O que observamos é que esta violência é no trato das pessoas que trabalham directamente com a educação das crianças, tive inclusive alguns relatos de professores com falas que são agressivas, violentas, muitas vezes xenófobas e que acabam por se reflectir no relacionamento entre as próprias crianças”, descreve.

“Com o manifesto não queremos apenas fazer queixa, queremos pensar em soluções, criar um debate à volta destas questões”, elucida e acrescenta que as discriminações se verificam num simples comentário como “vocês, brasileiros, não falam português”.

Não está satisfeita, mãe? Volte para a sua terra.” Associações de imigrantes entregam manifesto por educação sem violência

Rui Cardoso-FEV222022